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14 março, 2014

O Estado brasileiro cobra dos pobres e da classe média para dar aos ricos

"(...) Os pobres e a classe média, proporcionalmente, são os que mais pagam pela manutenção da máquina estatal"


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Por Diogo de Souza para o Folha Social

Você sabia que quase metade de seus impostos vai para banqueiros?

O Estado brasileiro cobra dos pobres e da classe média para dar aos ricos

Em primeiro de abril deste ano, serão completados 50 anos do golpe que estabeleceu uma longa ditadura em nosso país. Infelizmente, pouco foi investigado sobre esse período, somente sobre fatos relacionados à vida política sob tal tirania, envolvendo assassinatos, torturas, perseguições e ataques à liberdade de expressão. Diferentemente de muitos de nossos vizinhos, principalmente Chile e Argentina, não realizamos uma reflexão profunda sobre os danos sofridos devido ao regime citado, por exemplo, análises e mudanças de rumos dos problemas, agravados como nunca, durante os governos dos militares, que durou de 1964 a 1985, como concentração de terras e rendas, inchaço e ineficiência do Estado, crescimento absurdo da dívida pública e um sistema tributário injusto. A ausência de rompimento com esse modelo nos impõe uma dura realidade de destinarmos todos os anos mais de 40% do orçamento federal e praticamente metade de nossos impostos(em 2014: R$ 1,003 trilhão do total de R$ 2,48 trilhões, conforme a Lei Orçamentária Anual(1)) para pagamento de uma dívida com origem não explicada e com desenvolvimento histórico baseado na loucura de contrair empréstimos para pagar os anteriores já realizados. Além disso tudo, continuamos utilizando um sistema tributário regressivo, isto é, cobra-se mais de quem tem menor renda.

Como pagar proporcionalmente menos impostos? Ficando mais rico. E como ficar mais rico se há o entrave de pagar mais impostos? Essa é a paradoxal lógica do código tributário brasileiro, criado em 1967 durante o governo de H. Castelo Branco. Estudos da Fundação Getúlio Vargas indicam que quem ganha até dois salários mínimos(SM) paga 49% dos seus rendimentos em tributos, porém, os que recebem acima de 30(SM) pagam apenas 26%(2). Isso ocorre porque a maior parte dos tributos incide sobre o consumo. Uma pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), afirma que o consumo representa 45% da arrecadação no Brasil e a renda, apenas 19%. No mundo rico, essas proporções são 29% e 38%, respectivamente. Veja a íntegra do estudo aqui:

Carga tributária por base de incidência – ano 2009

                                       Tipo de Base..........................Participação Relativa na Carga Tributária Total (%)

Consumo..............................................47,36
Renda...................................................19,88
Folha de Salários....................................26,05
Propriedade e Transações Financeiras.... 4,91

Fonte: Ministério da Fazenda; Receita Federal

Como essa forma de cobrança desconsidera a capacidade financeira do contribuinte, os pobres e a classe média, proporcionalmente, são os que mais pagam pela manutenção da máquina estatal. Uma situação que ilustra bem isso é a retenção de IRRF e contribuição do INSS, com elevadas alíquotas para salários até R$ 4.665,00 e a fixação de um teto a partir deste valor, exige-se pouquíssimo dos ricos e o financiamento do sistema se dá sobretudo com micro e pequenas empresas e com os desfavorecidos, prejudicando quem tem menor renda. Os países ricos fazem o contrário, adotam sistemas progressivos, que onera mais à medida que a renda ou o patrimônio crescem, realizando assim uma justa distribuição de riquezas. E outro lado perverso desses fatos, é que grande parte dos tributos são destinados prioritariamente ao pagamento dos juros da dívida, privilégio aos poderosos, pois são os detentores destes títulos, conforme o estudo “Os Ricos no Brasil”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): cerca de 20 mil clãs familiares (grupos compostos por 50 membros de uma mesma família) apropriam-se de 70% dos juros que o governo paga aos detentores de títulos da dívida pública(3). Deste modo, o cidadão brasileiro não vê seus impostos retornarem como serviços públicos e lamentavelmente isso drena mais de um trilhão e meio de reais por ano.

        Tal dívida apresentava valores inexpressivos até 1964, totalizando R$ 4 bilhões com credores externos, menos de 7% do PIB. Aumentou 250 vezes nas duas décadas seguintes, chegando a 100 bilhões de dólares em 1986- em torno de 30% do PIB deste ano(4) e o pior é que os contratos e documentos que lhe deram origem jamais foram auditados, averiguados e seus recursos não foram utilizados em investimentos ou obras públicas. Isso ocorreu porque tais empréstimos foram contraídos com vinculação à taxa de juros dos EUA – a princípio estava em torno de 5,7% a.a e com a crise do petróleo atingiu 20,5 % a.a, em 1979, tornando inviável nossa capacidade de pagamento(5). A (má) solução encontrada para isso foi recorrer a novos financiamentos com juros cada vez mais elevados, algo feito diversas vezes. É como pagar a dívida de um cartão de crédito recorrendo ao cheque especial(juros menores pelos mais altos oferecidos pelo mercado). Dessa obscuridade, e fraudes dos acordos entre militares e EUA, nasce nossa dependência e problema número 1 que o Brasil enfrenta. Ainda mais porque esses valores crescem em ritmos acelerados, voltando a metáfora dos gastos com cartão de crédito, o que nosso país faz é pagar “o valor mínimo”, daí a bola de neve não para de crescer.

Com a redemocratização nada mudou. Na verdade, nos afundamos mais, basta analisar os dois principais presidentes dessa fase. Nas gestões de FHC, recorremos a empréstimos do FMI que nos impôs pesadas restrições, o regime de metas de inflação, a busca por altos superávits primários(que com frequência roubam recursos da saúde e educação, e neste ano retirou R$ 44 bilhões de obras e investimentos(6)), uma LRF que prioriza o pagamento da dívida, lesando as demais áreas e uma série de privatizações desenfreadas(com fortes indícios de corrupção). Já durante os mandatos de Lula, uma nova e covarde estratégia foi adotada. Absorveu-se a dívida externa, transformando-a, portanto, em dívida com bancos nacionais(7) e procurou-se alterar, melhorar a relação Dívida/PIB- reveladora da capacidade de pagamento de uma nação e permitiu-se assim que, em valores absolutos, a dívida continuasse a aumentar. Uma decepção vinda de um partido que até 1989 defendia a moratória- recusa de pagamento da dívida externa.

Todos os governos desde 1964 são responsáveis pelos problemas citados. Se por um lado, a ditadura militar agravou a desigualdade social, gastou desordenadamente, estabeleceu um sistema tributário regressivo; os demais gestores públicos erraram ao não romper com tais realidades. Um dos fatores que impossibilitou os debates sobre as reformas de base e criou instabilidade interna, resultando na ruptura com a democracia, eram o cenário e a política externa- guerra fria. Essa situação hoje inexiste. Pelo contrário, amadurecemos e estamos preparados para tais discussões e temos a necessidade e obrigação de retomar essas pautas se desejarmos, enfim, acabar com os dois grandes mecanismos de reprodução de pobreza e fracasso dos serviços públicos oferecidos: dívida pública e lógica de cobrança do sistema tributário. Para isso, é preciso se informar e pressionar os parlamentares a realizarem mudanças e aprofundar essas propostas. Neste sentido, convém destacar as campanhas pela reforma tributária Quanto custa o Brasil e Imposto Justo e o grupo Auditoria Cidadã da Dívida(que investiga a dívida brasileira e pressiona pela realização de uma auditoria oficial, prevista na Constituição Federal).

Outras informações:

Gráfico do orçamento federal de 2014:



Excelente entrevista com a criadora do Movimento Auditoria Cidadã da Dívida, que
esclarece tudo sobre o tema: http://www.viomundo.com.br/denuncias/maria-lucia-fatorelli.html

Para compreender a evolução histórica da dívida:

1- http://ecen.com/eee25/audivida.htm
2- http://www3.tesouro.gov.br/divida_publica/downloads/Parte%201_2.pdf
3-http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/divida_publica/livro_divida.asp
4-http://www.administradores.com.br/artigos/economia-e-financas/crise-a-divida-externa-do-terceiromundo/60692/

Vídeos didáticos sobre nossa realidade tributária:

Reclame Direito: Impostos http://www.youtube.com/watch?v=POn8kPY4Zj4
Imposto alto, serviço ruim http://www.youtube.com/watch?v=weiqDRaDhQY
Documentário TV Câmara – Tributo: Origem e Destino http://www.youtube.com/watch?v=POn8kPY4Zj4
Mitos sobre a carga tributária no Brasil  http://www.youtube.com/watch?v=NRAa6_ZIvWw
Reforma Tributária justa-  http://www.youtube.com/watch?v=X9neBy7bKns





Diogo de Souza é colunista e escreve para a Folha Social