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Brasil discute redução da maioridade penal |
Enquanto a grande mídia é a favor da redução, a grande massa da população não reflete e torna-se massa de manipulação :
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A mídia de mercado e os que só pensam em vingança tentam de todas as formas induzir os congressistas a apoiarem a redução da maioridade penal para 16 anos.
Uma das manchetes de O Globo (quarta-feira – 8 de maio) é sintomática: “Estuprador do ônibus é menor solto pela Justiça”. E na sustentação: “Maioridade penal em questão”.
O leitor, sobretudo a maioria que apenas lê as chamadas de primeira página nas bancas de jornais acaba concluindo o quê? Simplesmente que o menor, assaltante e estuprador em um ônibus no Rio de Janeiro foi solto depois de se apresentar ao Juizado de Menores com a mãe. Mas não, ele foi solto em outra ocasião, depois que os responsáveis se comprometeram a apresentá-lo mensalmente a um Juizado de Infância, o que deixou de acontecer. Essa informação só aparece na leitura da pagina da matéria.
E a defesa da redução da maioridade penal é colocada de tal forma como se menores infratores não fossem punidos. E quase nada se informa sobre os crimes hediondos cometidos por menores que são absolutamente minoritários nas estatísticas. Esses criminosos, ao contrário do que diz a mídia de mercado, cumprem penas.
Moral da história: daqui para frente os meios de comunicação de mercado vão intensificar a campanha pela redução da maioridade penal, como se no Brasil as condições carcerárias estivessem em condições de abrigar menores de 18 anos e não apenas transformá-los em ainda mais criminosos, como acontece nos presídios.
É o tipo da vingança que no final das contas acaba saindo pela culatra, ou seja, a transformação de um menor de 18 anos infrator em um criminoso total.
Ao contrário do que apresenta o senso comum, estimulado por publicações como O Globo, o papel do Estado não é a vingança, mas punir infratores e procurar recuperá-los. Se não consegue, é outra história. É preciso saber o motivo.
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Capa da edição mais recente de Veja (Reprodução / Web) |
10 razões porque somos contra a redução da maioridade penal
Por Manifesto Projeto Não-Violência
1. Culpabilização do adolescente.
As estatísticas (1) demonstram que apenas 0,2% dos adolescentes (entre 12 e 18 anos) estão cumprindo alguma medida sócio-educativa no Brasil por terem cometido crimes. Isso prova que a criminalidade não é maior nesta faixa etária, ou seja, não há um problema específico relacionado à maioridade penal.
2. Desvio do foco das verdadeiras causas.
A discussão sobre maioridade penal desvia o foco das verdadeiras causas do problema da violência, colocando a culpa no adolescente. As pesquisas (2) realizadas nas áreas social e educacional apontam que no Brasil a violência está profundamente ligada a questões como: desigualdade social (diferente de pobreza!), exclusão social, impunidade (as leis existentes não são cumpridas, independentemente de serem "leves" ou "pesadas"), falhas na educação familiar e/ou escolar principalmente no que diz respeito à chamada educação em valores ou comportamento ético, e, finalmente, certos processos culturais exacerbados em nossa sociedade como individualismo, consumismo e cultura do prazer.
3. Reações emocionais motivadas pelas "más notícias" veiculadas pela mídia.
Em geral, quando tomamos conhecimento de histórias de crimes bárbaros cometidos por jovens, temos naturalmente um sentimento de indignação, que por sinal é muito justificado. Porém, quando tomamos contato com números que mostram que apenas 2 em cada 1000 adolescentes se envolvem em crimes, podemos relativizar esta indignação e não generalizá-la a todos os jovens, uma vez que esses crimes bárbaros, apesar de serem chocantes, são casos isolados.
4. Crença de que as leis mais "pesadas" resolvem o problema.
Muitas vezes imaginamos que leis mais rigorosas poderiam combater a violência e melhorar a situação brasileira. Mas essa idéia certamente é equivocada, uma vez que encontramos vários exemplos históricos e atuais de regimes extremamente rígidos em diversos países, que ainda assim não conseguiram reduzir ou resolver o problema da violência. Na verdade, não precisamos de leis mais rígidas, mas sim de rigor e ética no cumprimento das leis que já existem. Sem contar que no Brasil é muito comum haver injustiça e preconceito na aplicação das leis. Pobres e negros lotam os presídios enquanto políticos corruptos continuam no poder, abusando dos seus privilégios. Se as leis forem mais rígidas, obviamente essa rigidez também afetará automaticamente o setor excluído da sociedade e não as camadas dominantes. Sendo mais claro: da forma como estamos, se um adolescente pobre cometer um crime certamente será preso, mas dificilmente um filho da elite sofrerá a mesma punição.
5. Satanização da adolescência pela sociedade.
Quando queremos reduzir a maioridade penal parece que há um discurso implícito que diz mais ou menos o seguinte aos adolescentes: "nós desconfiamos de vocês... se não andarem na linha, nós vamos puní-los com rigor!" Ou seja, passamos a cultivar um espírito de desconfiança, tratando os adolescentes como se fossem nossos inimigos. No entanto, sabemos que a adolescência é uma fase em que o ser humano é tomado por diversos conflitos e um forte sentimento de insegurança, de maneira que nossa desconfiança pode ter o poder de acentuar ainda mais as dores de um período por si só doloroso. Precisamos valorizar o jovem, considerá-los como parceiros na caminhada para construção de uma sociedade melhor, e não como vilões que estão colocando a nação em risco.
6. Crença de que os jovens terão medo da punição e cometerão menos crimes.
Por que temos medo de receber uma punição como a prisão? Certamente porque gostamos de viver a vida em liberdade, temos uma boa rede de afetos (família e amigos), temos uma rotina que de alguma forma tem atividades estimulantes, das quais não queremos abrir mão. Então, se um adolescente tiver auto-estima baixa, pouca referência afetiva e uma vida muito difícil, será que ele vai se importar com um punição mais rigorosa? Será que terá tanto medo quanto nós temos, a ponto de deixar de fazer alguma coisa para não ser punido? E não são justamente estes adolescentes que cometem crimes mais graves, os que já não têm uma vida digna a prezar? Muitos já arriscam a própria vida todos os dias convivendo com traficantes, chefes de quadrilhas e gangues, então, por que então terão medo da lei? As punições só podem causar medo e impedir o crime quando aprendemos a gostar de viver e sentimos a necessidade de lutar pela vida que ganhamos e construímos. Até mesmo a morte não causará medo em pessoas que não têm perspectiva.
7. Crença de que a prisão educa.
Reduzindo a maioridade penal, adolescente vão para a prisão. E daí? Depois de tudo o que sabemos sobre as condições dos presídios brasileiros, como ainda acreditamos que um adolescente poderá aprender alguma coisa e se reeducar num sistema que não oferece nenhuma condição de educar ninguém?
8. Crença de que a lei atual é "mole" e o ECA enfatiza apenas os direitos.
Para quem pensa desta forma, o desafio é ler o Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta lei foi criada para proteger os menores de 18 anos de comportamentos gravíssimos cometidos por adultos, como negligência, espancamento e abuso sexual. Mas, ao mesmo tempo que protege, garantindo os direitos, a lei também exige os deveres e prevê reparações de erro, trabalho comunitário, tratamento e até mesmo privação de liberdade para o caso de jovens em conflito com a lei. Assim, mais uma vez o problema não é a lei que é frouxa, mas o fato das leis existentes não serem cumpridas ou serem cumpridas de maneira inadequada. Muitos adolescentes que são privados da sua liberdade, por exemplo, não ficam em instituições efetivamente preparadas para reeducar estes jovens e acabam reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. Um ambiente adequado para cumprimento de medidas sócio-educativas precisa contar com profissionais preparados e recursos adequados para recuperar o ser humano.
9. Dificuldade de admitirmos a nossa parcela de responsabilidade.
O ser humano, em geral, tem a tendência de olhar muito facilmente a culpa do outro, o erro do outro, o mal que o outro causa, e uma imensa dificuldade em olhar para si e enxergar a sua própria culpa, os seus próprios equívocos, o seu próprio mal. É a velha e sábia história: olhamos para o cisco no olho dos outros e não retiramos o cisco que se encontra em nossos próprios olhos. Assim, defendendo a redução da maioridade penal corremos o risco de olhar apenas para o adolescente e esquecer o nosso próprio egoísmo, nossa falta de solidariedade, nossa indiferença social, nosso consumismo, nossa ostentação... fatores que reforçam a desigualdade social e contribuem para deixar os jovens mais desamparados e perdidos em termos de valores. Não podemos simplesmente querer punir jovens que cometem crimes sem lembrar que dos pequenos crimes de descaso que cometemos no dia-a-dia.
10. O ódio em alta.
O perdão e o amor em baixa. Este é o ponto mais difícil de ser tratado porque mexe com áreas muito profundas do nosso ser. Certamente a indignação causada pelas notícias de jovens que cometem crimes nos levam facilmente ao ódio e o ódio nos leva a procurar uma forma de vingança, despertando o desejo de dar uma punição extremamente rigorosa aos criminosos. Quando pensamos do ponto de vista da vítima, imaginando o sofrimento pelo qual passou e a dor que atingiu a família, é quase natural que esse ódio seja reforçado. Porém, apesar de difícil, vale a pena o exercício de tentar pensar no lado do criminoso. Um jovem que comete um crime bárbaro tem sua vida marcada para sempre (sua consciência e o julgamento da sociedade são cruéis); uma vida que poderia ter se tornado mais um brilho para dar luz ao mundo, foi apagada; uma energia que poderia ajudar na transformação do mundo foi interrompida; uma chama criativa que poderia contribuir para melhorar a raça humana, foi extinta, talvez para sempre. Se pensarmos assim, talvez encontremos um espaço para a compaixão e o perdão... porque a vida que fica talvez não sofra menos do que a vida que se foi... Além disso, quando assistimos um jovem que se envereda pelos caminhos tortuosos da criminalidade, de certa forma nos deparamos com nosso próprio fracasso enquanto sociedade... fracasso por não termos conseguido conduzir uma vida para sua realização plena e ética, enquanto ser humano.
(1)Fonte: Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SEDH).
(2)Sposito (2001), Zaluar & Leal (2001), Debarbieux (2001).
Informações de Pragmatismo Político, Não-Violência e Mário Augusto Jakobskind (Direto da Redação)